O Mar!
Cercando prendendo as nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes,
… deixando nos olhos dos que ficaram a nostalgia resignada de países distantes …
… Este convite de toda a hora que o Mar nos faz para a evasão!
Este desespero de querer partir e ter que ficar! …
— Poema do Mar, Jorge Barbosa

Literatura Cabo-verdiana: periodização

1º. Período, das origens até 1925. a que chamaremos de Iniciação, por, a par de grandes vazios, abranger uma variada gama de textos (não necessariamente literários) muito influenciados pelas duas fases do baixo romantismo e do parnasianismo (embora com iniciativas de alguma vocação regionalista ou mesmo de «vocação patriótica», no primeiro quartel do séc. XX), antes da fase moderna.
 
Em Cabo Verde, após a introdução do prelo, em 1842, e a publicação do romance cabo-verdiano de José Evaristo d’Almeida, O escravo (1856), em Lisboa, segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à publicação do livro de poemas Arquipélago (1935), de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), Fundada por Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros […].


A criação, em 1 866, do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928, muito contribuiu para o surgimento de uma classe de letrados equiparável ou superior à dos angolanos.
Em 1877, criou-se a imprensa periódica não oficial. […]
 
O 2°. Período, de 1926 a 1935, a que chamamos Hesperitano, antecede a modernidade que o movimento da Claridade (1936) incarnou.
 
Desde os primeiros tempos, até ao final deste 2° Período, entendemos, com Manuel Ferreira, que vigorou o Cabo-verdianismo, caracterizado como de «regionalismo telúrico», mas que, nalguns textos, se expande para temas e elementos recorrentes da literatura cabo-verdiana, como os da fome, do vento e da terra seca, ou de certa insatisfação e incomodidade, numa atmosfera muito próxima do naturalismo.
 
O fundamento que leva a que se possa designar tal período como Hesperitano ressalta da assunção do antigo mito hesperitano ou arsinário.
 
Trata-se do mito, proveniente da Antiguidade Clássica, de que, no Atlântico, existiu um imenso continente, a que deram o nome de Continente Hespério.
 
As ilhas de Cabo Verde seriam, então, as ilhas arsinárias, de Cabo Arsinário, nome antigo do Cabo Verde continental, recuperado da obra de Estrabão.
 
Os poetas criaram o mito poético para escaparem idealmente à limitação da pátria portuguesa, exterior ao sentimento ou desejo de uma pátria interna, íntima, simbolicamente representada pela lenda da Atlântida, de que resultou também o nome de atlantismo hesperitano, por oposição ao continentalismo africano e europeu. […]
 
3°. Período, que principia no ano de 1936 (ano da publicação da revista-mater Claridade) e vai até 1957, muito mais tarde do que a fase a que Luís Romano chama dos «Regionalistas ou Claridosos» (para ele termina com os neo-realistas da revista Certeza, de 1944) […].
Ainda em 1941, sai Ambiente, livro de poemas de Jorge Barbosa.
 
António Nunes publica, depois, os Poemas de longe (1945) e Manuel Lopes, os Poemas de quem ficou (1949), a que se segue o romance fundador Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes, passando pelo Caderno de um ilhéu (1956), de Jorge Barbosa, e o primeiro romance de Manuel Lopes, Chuva braba (1956).
 
Todos sem interferência da Negritude, mas, curiosamente, coincidindo no tempo as publicações de neo-realistas e claridosos, não sem que, entretanto, fossem impressos livros deslocados no tempo, como os Lírios e cravos (1951), de Pedro Cardoso, e as Poesias (1952), de Januário Leite, poetas do cabo-verdianismo. […]
 
4°. Período, indo de 1958 a 1965, em que, com o Suplemento Cultural, se assume uma nova cabo-verdianidade que, por não desdenhar o credo negritudinista, se pode apelidar de Cabo-verdianitude, que, desde a sua ténue assunção por Gabriel Mariano, num curto artigo (1958), até muito depois do virulento e celebrado ensaio de Onésimo Silveira (1963), provocou uma verdadeira polémica em torno da aceitação tranquila do patriarcado da Claridade.
 
Do Suplemento Cultural do Boletim Cabo Verde fizeram parte Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory e Yolanda Morazzo. […]
 
5°. Período, entre 1966 e 1982, do Universalismo assumido, sobretudo por João Vário, quando o PAIGC (acoplando forças políticas de Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se achava já envolvido, desde 1963, na luta armada de libertação nacional, abrindo, aquele poeta, muito mais cedo do que nas outras colónias, a frente literária do intimismo, do abstraccionismo e do cosmopolitismo: aliás, só depois da independência, e passado algum tempo, surgiu descomplexada e polémica, sobretudo em Angola e Moçambique.
Podemos datar de 1966, com a impressão dos poemas, em Coimbra, de Exemplo geral, de João Vário (João Manuel Varela), essa viragem, que, diga-se, pouco impacto veio provocar. […]
 
6°. Período, de 1983 à actualidade, começando por uma fase de contestação, comum aos novos países, para gradualmente se vir afirmando como verdadeiro tempo de Consolidação do sistema e da instituição literária.
 
O primeiro momento é dominado pela edição da revista Ponto & Vírgula (1983-1987), liderada por Germano de Almeida e Leão Lopes […].
 
(Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Pires Laranjeira, Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.180-185)